Mormaço – O Multiverso do Poeta
Quanto tempo dura o eterno?, indagou Alice ao Coelho, que de pronto respondeu: às vezes apenas um segundo. Quem leu sobre o País das Maravilhas já deve ter tido vontade de achar uma toca como a do coelho branco, com acesso para múltiplas realidades.
Fazia muitos anos que eu não recebia o amigo e jornalista Alex Medeiros em minha casa, no meu atelier. Nos conhecemos em 1972, quando ainda ginasianos criávamos historietas de ficção, com meus primeiros desenhos ilustrando os primeiros rabiscos dele.
Adultos, nos reencontramos e fizemos dupla de criação na publicidade e em trabalhos fortuitos de cunho literário. Sua imaginação poética sempre foi perfeita para se inserir em quadros que pintei, e vice-versa. Nos anos 80 ganhou as ruas em outdoor o micropoema “Quem Ana, Não Marta”. Ilustrei com flores despetaladas.
Aí, como eu dizia, meu amigo apareceu pedindo para que eu concebesse em tela uma viagem abstracionista que ele tem com uma casa, na verdade um bar, onde quase todas as noites ele abastece a alma e alimenta sonhos. E não só é assíduo, como coleciona imagens de casas parecidas espalhadas pelo planeta. Há o seu bar em cada continente, às vezes em outras dimensões.
Não pude deixar de relacionar as muitas imagens do Bar Mormaço, criadas na mente fértil do meu amigo poeta, com o mundo de Alice, naquela pergunta sobre onde ficaria a saída, ao que o gato diz que depende de para onde ela quer ir. Alex vê múltiplos Mormaços, mas seu destino é sempre o mesmo, o do mundo real, o recanto que ele pensa só dele.
Aí surgiu o quadro “Mormaço – O Multiverso do Poeta”, este acrílico sobre tela que resultou em mais um trabalho ao estilo “abstrato” que os leitores do meu blog e das minhas redes estão acostumados a ver. É o barzinho de Alex em muitas versões, ligados pelas pinceladas e distribuídos nos mundos da imaginação dele.
Concebi buscando fazer a leitura da sua viagem, vendo o poeta em uma nave de paixão avançando no espaço tridimensional e atemporal. É a questão metafórica de Alice, vendo mundos de cabeça para baixo e achando que atravessará a Terra inteira como passageira de um mesmo cenário.
Há um pensamento científico sugerindo que se o mundo é visto através de abstrações, é assim que os historiadores constroem o passado. Na abstração poética do meu amigo, ele parece atirar sua vida no tempo-espaço, construindo uma realidade amorosa entre o presente e o futuro. As cores são esses vastos mundos, essas realidades paralelas em que se insere o bar, onde palpita o coração do poeta.
Um coração como aquele que Clarice Lispector ofereceu em rifa: idealista, como poucos, à moda antiga, moleque, usado, machucado, mas que sempre teimou em sonhar e cultivar ilusões. Assino embaixo a tela como que atestando a saúde intelectual do amigo e carimbando sua viagem a bordo do bar que é a sua toca.
Carlos Soares, 19/07/2016